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O DIÁRIO DE TERESÓPOLIS
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A grande emoção na chegada a Santiago de Compostela

Os últimos quilômetros, as lembranças das dificuldades e motivações para percorrer a milenar rota de peregrinação

Subidas íngremes, trechos com pedras soltas, vento forte e contra, muito sol, muita chuva e até neve… Havia enfrentado diversas situações em apenas 12 dias. Quando comecei o décimo terceiro, faltavam apenas 99 quilômetros para a tão almejada catedral de Santiago de Compostela. O frio absurdo na região do Cebreiro havia ficado para trás. Saí de Portomarin cedo, com vontade de retomar a calmaria abalada pelas condições climáticas da etapa anterior. Comecei o dia com vontade de pedalar bastante, mas sem pressa. Devagar e sempre, em ritmo de cicloviagem. Já encontrei uma forte subida poucos metros após o albergue onde havia dormido e, nesse trecho, tive que “vencer” um dos desafios das últimas partes da rota de peregrinação: o grande número de pessoas nas trilhas, acostamentos e ruas. O motivo é a exigência do cumprimento de pelo menos 100 quilômetros – obrigatoriamente os últimos – para receber a Compostela, documento da Igreja Católica que confirma a realização do Caminho de Santiago. Para quem está de bicicleta ou a cavalo, são 200.


Dessa forma, muita gente faz apenas o mínimo pedido para poder ostentar na parede de casa a certificação, ficando a rota recheada de peregrinos, digamos, bem diferentes daqueles que se encontra nos 700 quilômetros anteriores. Grande parte sem mochila, roupa ou calçado adequados. Para quem busca seguir à risca a tradição, voltar para casa com a vivência e aprendizados ao longo de toda a rota, no meu caso a francesa, com mais de 800 quilômetros de extensão, tem muito mais valor do que um simples pedaço de papel com a escrita em latim. Isso é assunto para discussão mais ampla, que acho que não cabe aqui nesse momento, mas vale a reflexão. O que é melhor: viver intensamente a rota jacobeia ou ter um documento dizendo que você cumpriu o mínimo exigido para ter direito a um diploma?
Foram muitos trechos íngremes, mais difíceis por conta do peso da bagagem na parte traseira da bicicleta, e centenas de pessoas pelo caminho. Mas havia reencontrado meu ritmo, meu caminho. Em um dos gélidos e bonitos bosques da Galícia, parei por mais de meia hora. Olhei, senti, vivi. Em Palas de Rei, onde deveria ter dormido não fossem a nevasca e os “presentes de vaca”, comprei umas frutas e encontrei um albergue com o meu nome, “A Casina di Marcello”, onde talvez tivesse pernoitado não fosse o contratempo. Fechei a etapa em O Pedrouzo, com 78 quilômetros percorridos, com 1.568 metros de altimetria acumulada. Faltavam apenas 21 para o destino final. Poderia tranquilamente ter fechado minha “aventura espiritual” em 13 dias, mas queria a beleza e serenidade da manhã para o meu grande dia.

Surpresa de última hora
Dia 20 de maio de 2019. Uma data que nunca, mas nunca mesmo, vai sair da minha memória. Foi um dia de pedal curto, como previsto. Mas as emoções foram grandes, muito mais do que eu imaginava. Saí de O Pedrouzo bem cedo, estava gelado nos bosques de eucalipto. Cerca de cinco quilômetros depois, hora do café. Quando estava na lanchonete percebi a chegada de outro ciclista e, rapidamente, reconheci a “magrelinha” cinza com adesivos em vermelho. Era o amigo André Luís, o paulista de Jundiaí que havia conhecido em Estella onze dias antes e com quem havia feito algumas etapas. Não havíamos combinado chegar juntos à Santiago. Ele seguiu viagem quando tirei um dia de folga em Ponferrada e marcamos de fazer contato antes do embarque de volta ao Brasil. Como havia mudado minha programação inicial, dormindo em Portomarin no lugar de Palas de Rei, acabamos ficando na mesma cidade no dia que antecedeu a chegada, mas em albergues diferentes, sem saber.
Acabou sendo um presente para os dois brasileiros que carregavam histórias parecidas na rota jacobéia. Saímos leves, rindo das situações das etapas anteriores, sem pressa nenhuma. Estava acabando. No “Monte do Gozo” já avistamos as torres da catedral, torcendo que os cinco quilômetros que faltavam durassem o máximo de tempo possível. Nesse local fica uma escultura em homenagem ao Papa João Paulo II, feita por uma artista brasileira. Ao ingressar oficialmente na tão esperada cidade, logicamente uma parada na placa “Santiago”, que daria uma bela composição com a fotografia realizada no segundo dia de pedal, em Roncesvalles, com sinalização indicando que faltavam 790 quilômetros.

“Quantas emoções eu vivi”
O coração disparou mesmo já bem perto da Praça do Obradoiro, onde está localizada a imponente catedral em homenagem ao apóstolo Tiago Maior. Quando escutei a gaita de fole, realmente caiu a ficha. É tradição músicos se revezarem em um ponto de pequeno túnel arqueado, por conta da acústica, para apresentações em troca de alguns Euros, bem ao lado do templo religioso. Nesse local fica uma pequena escada, onde iniciei o ritual de chegada como havia sonhado que seria. Empurrei a bicicleta nos degraus, montei novamente quando eles terminaram e pedalei em direção ao lado oposto da catedral, para depois manobrar e ficar de frente para ela. Eu havia chegado, realizado um sonho que por longos meses se repetia na minha cabeça. Mas me emocionei muito mais do que imaginava. As lagrimas caíram com grande facilidade. Lembrei todos os desafios até ali e, principalmente, dos que me fizeram querer realizar o Caminho. Não havia como não recordar as pessoas importantes na minha vida, aquelas que realmente ficariam felizes quando recebessem a mensagem avisando sobre a conclusão de tão importante etapa da cicloviagem.
Fiquei mais de uma hora de frente para o imponente templo, tentando digerir tudo que estava acontecendo. Comemorei também com o amigo André, uma das gratas surpresas ao longo dos 830 quilômetros e mais de 12 mil metros de altimetria acumulada. Também foi um presente olhar tantos outros concluindo suas peregrinações, se abraçando, sorrindo, chorando, pulando… Celebrando as grandes vitórias até ali. Poderia escrever muito mais sobre esse momento, mas é difícil encontrar palavras para relatar o que se passa no coração de um peregrino ou bicigrino. É preciso viver o Caminho de Santiago para compreender a sua grandiosidade. Como citei na primeira coluna, vai muito além da religião ou do desafio de caminhar ou pedalar tantos quilômetros.

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Missa e certificado
Antes de procurar um local para dormir e deixar bagagem e bicicleta, podendo assim conhecer o interior da catedral de Santiago de Compostela, buscamos nossas Compostelas. Pelo menos no meu caso, posso dizer que “não é apenas um pedaço de papel com meu nome escrito em latim”. Ele carrega todas as emoções vividas nos mais de 800 quilômetros e, logicamente, todas as situações que me fizeram querer realizar essa jornada espiritual. E, caso tivesse optado em enfrentar a grande fila para recebê-lo, não faria falta porquê o mais importante são as marcas deixadas na minha alma e coração. 
O interior do templo é tão espetacular quanto os detalhes da sua fachada. Porém, atualmente não é possível admirar todos os pontos e nem participar da tradicional Missa do Botafumeiro, pois a catedral está passando por restauração. Ainda é permitida a visitação ao túmulo e também à imagem do apóstolo para lhe dar um abraço, como manda a tradição. Enquanto acontece a recuperação da igreja, as missas dos peregrinos estão sendo realizadas na catedral de São Francisco de Assis. Mais um momento emocionante e que deve estar na agenda de quem realiza o Caminho. 
Termina aqui meu relato de viagem pela milenar rota de peregrinação, mas não minha cicloviagem pela Espanha. Na próxima semana publico o último capítulo do meu diário, destacando o trecho até Finisterra, outrora conhecida como “fim do mundo”. O projeto “Teresópolis no Caminho de Santiago de Compostela” teve o apoio da Trilhas & Rumos, Cycle São Cristóvão, Loja TopSpin, Corpo & Ação, jornal O Diário e Diário TV.

 

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Edição 18/04/2024
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